Bússola Estudantil

Jornal escolar da Escola Secundária de Loulé

MATEUS

Estávamos sob regime ditatorial do General-Major Pêro Rocha, o regime das peras. Éramos obrigados a ficar nas macieiras o dia todo, todos os dias, à exceção de domingo, em que podíamos sair ao fim do dia para ir à missa, que na altura era dada pelo padre Uva, padre estrangeiro sem ligação ao regime, respeitado em todo o pomar.

Nas macieiras a vida não era fácil. Foram poucas as famílias de maçãs que conseguiram manter os seus negócios internacionais fora do pomar devido ao crescente frutismo contra as maçãs na altura.

A macieira da família era velha e murcha, ficava na Praceta de Santa Framboesa que era pequena e estreita, tal como o fruto que lhe deu o nome. O papá tinha uma loja de autocolantes, daqueles brilhantes com que a fruta costumava andar, mas o regime fechou a loja, alegando que era propaganda contra o estado. Entretanto, prenderam o papá. Ainda me lembro do dia em que mandaram uma unidade de ananases à loja para o levar. A mamã ficou a chorar nos meus braços, enquanto eles partiam tudo aquilo que ainda sobrava da antiga loja de família.

Enquanto o pai estava na prisão, enviaram-no para a ilha tropical Cana-de-açúcar, onde na altura estava estabelecida uma colónia de peras. Nessa ilha havia uma prisão de segurança máxima, prisão para onde injustamente enviaram o papá, maçã nobre e honrada, que não merecia ter sido torturada como foi. A prisão tinha umas celas especiais, para torturar os presos políticos, a que chamavam «panelas», isto é, celas a céu aberto todas feitas de papel de alumínio, muito estreitas e com paredes altas para o vento não circular. O objetivo destas celas era claro, fazer com que os frutos presos amolecessem e derretessem com o calor abrasador da ilha tropical.

Passados alguns anos depois da perda da família, com a tomada da Assembleia da Fruta pela Brigada Verde do capitão Mauro Bravo-de-Esmolfe, a ditadura acabou. E com o fim da ditadura veio o regresso do papá, que por milagre sobreviveu à panela e à ilha Cana-de-açúcar.

Agora, com o fim do regime opressor das peras, já sem loja há muitos anos, mas finalmente com liberdade, a família resolveu que queria construir um negócio novo. Com a ajuda do padre Uva, cuja bondade fora sempre infinita, comprámos a oficina de um antigo químico e, lá dentro, havia uns livros sobre a antiga arte perdida de fazer geleia. O papá, por causa da idade e do desgaste dos anos em cativeiro, já não tinha forças para ajudar na renovação do espaço, no entanto, ao mostrar-lhe os livros, contou-me que enquanto esteve preso, ao passar dias e dias inteiros ao sol dentro das «panelas», descobriu também o conhecimento perdido para se fazer geleia.

Pouco tempo depois, o papá morreu, no entanto, antes de morrer conseguiu transmitir o seu conhecimento todo sobre o doce, conhecimento esse que, juntando ao dos livros que encontrei, foi suficiente para abrir uma pequena produção na oficina recentemente renovada. Foi um sucesso! Todo o pomar ia à oficina com o nome do papá, que eu herdara, Mateus.

Com o passar dos anos o negócio foi crescendo, transformando-se então na atual e famosa Casa de Mateus1.

1 Este texto foi desenvolvido de um exercício de escrita criativa realizado na aula de Português na semana em que se comemoraram os 50 anos do 25 de abril. A referência à marca Casa de Mateus não apresenta qualquer relação com a verdadeira história da marca, mas apenas revela a preferência do autor pelos seus doces e pelo uso da Ironia.


Texto de:
Guilherme Simões
aluno do 11.º J

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