“Será possível conhecer?” – O Paradoxo do Mentiroso e a sua Relevância na Lógica (III)

Continuação de: “Será possível conhecer?” – O Paradoxo do Mentiroso e a sua Relevância na Lógica (II)
Lógicas polivalentes
Uma resposta que muitas pessoas costumam oferecer pela primeira vez que se deparam com o paradoxo é de que a proposição não é verdadeira, nem falsa. Vamos então contrariar o Princípio de Bivalência e admitir que ela possui um terceiro valor de verdade. Ainda que essa solução consiga efetivamente resolver a primeira versão do paradoxo do mentiroso apresentada neste ensaio, ela não consegue resolver uma outra versão conhecida por paradoxo fortalecido do mentiroso e que se apresenta a seguir. Considere-se a seguinte proposição “P’”:
𝑃′:𝑃′𝑛ã𝑜 é 𝑢𝑚𝑎 𝑝𝑟𝑜𝑝𝑜𝑠𝑖çã𝑜 𝑣𝑒𝑟𝑑𝑎𝑑𝑒𝑖𝑟𝑎.
Como foi referido, em vez de admitirmos que a proposição “P’” é verdadeira ou falsa, vamos admitir que ela possui um terceiro valor de verdade. No entanto, se for esse o caso, ela não será verdadeira (já que possui um terceiro valor de verdade). E, não sendo verdadeira, ela será verdadeira. Como se pode observar, apesar de considerarmos um terceiro valor de verdade, é impossível atribuir à proposição um único valor de verdade sem terminarmos em contradição.
Fórmulas linguísticas sem sentido
Uma outra solução que é frequentemente avançada e que será defendida neste ensaio para resolver o paradoxo é considerar a fórmula linguística em questão como não sendo portadora de sentido. Tal justifica-se pelo facto de não ser possível atribuir-lhe qualquer valor de verdade sem terminarmos com uma contradição. Essa solução tem a vantagem de não proibir outras fórmulas linguísticas que possuem, aparentemente, sentido. No entanto, é possível objetar que essa solução não consegue resolver o paradoxo fortalecido do mentiroso. Ao admitirmos que «“P’” é uma fórmula linguística sem sentido», estamos a afirmar que «“P’” não admite valor de verdade» ou que, especificamente, «“P’” não é uma proposição verdadeira». Por outras palavras, estamos a afirmar “P’”, pelo que “P’” é verdadeira.
No entanto, a partir do momento em que concluímos que essa fórmula linguística não tem sentido, não podemos interpretá-la à luz dessa conclusão. A proposição torna-se, por assim dizer, ininteligível. Ainda assim, é possível formular uma versão do paradoxo para a qual essa objeção é, aparentemente, mais fraca. Essa versão é conhecida como o problema da vingança e apresenta-se a seguir. Considere-se a seguinte proposição “P’’”.
𝑃′′:𝑃′′ 𝑛ã𝑜 é 𝑢𝑚𝑎 𝑓ó𝑟𝑚𝑢𝑙𝑎 𝑙𝑖𝑛𝑔𝑢í𝑠𝑡𝑖𝑐𝑎 𝑐𝑜𝑚 𝑠𝑒𝑛𝑡𝑖𝑑𝑜 𝑜𝑢 𝑃′′ 𝑛ã𝑜 é 𝑢𝑚𝑎 𝑝𝑟𝑜𝑝𝑜𝑠𝑖çã𝑜 𝑣𝑒𝑟𝑑𝑎𝑑𝑒𝑖𝑟𝑎.
Se repararmos, ao admitirmos que “P’’” não é uma fórmula linguística com sentido, o primeiro elemento da disjunção é verdadeiro, pelo que, pela definição de disjunção, “P’’” é verdadeiro. Novamente, terminamos em contradição. Neste caso, parece impossível admitir que “P’’” é ininteligível, pois isso parece supor que a conclusão a que queremos chegar, isto é, que «“P’’” não é uma fórmula linguística com sentido», também é ininteligível.
No entanto, é importante notar que a definição de disjunção se aplica unicamente a proposições (a disjunção é verdadeira se pelo menos uma das proposições é verdadeira). Quando um dos elementos da disjunção é uma fórmula linguística sem sentido, então a disjunção também será
uma fórmula linguística sem sentido. Deste modo, podemos concluir que «“P’’” não é uma fórmula linguística com sentido» não só é uma fórmula linguística com sentido, mas também constitui uma proposição verdadeira. Se é esse o caso, então o segundo elemento da disjunção será, necessariamente, uma fórmula linguística sem sentido de modo a que toda a disjunção constitua uma fórmula linguística sem sentido.
Conclusão
A partir das soluções avançadas para resolver o paradoxo do mentiroso é possível concluir que o predicado “verdade” é, muitas vezes, manipulado sem ter em consideração uma definição definitiva. Mesmo a solução defendida neste ensaio não oferece essa definição e teve como único objetivo resolver a aparente contradição do paradoxo a partir da lógica clássica. Cremos, no entanto, que tanto uma definição, como um critério de “verdade” podem ser encontrados na teoria da verdade enquanto correspondência. No âmbito dessa teoria será possível fazer uma defesa da nossa solução contra outras soluções igualmente capazes de resolver a aparente contradição do paradoxo.
