“Será possível conhecer?” (I)
No âmbito do Clube de Filosofia e dos “Debates sobre Conhecimento, Ciência e Bem Comum”, no ano letivo 2022/2023, vários alunos, em particular os que mais se empenharam na organização dos mesmos, como o aluno Tiago Andrade, dinamizaram um debate, que envolveu transversalmente toda a comunidade escolar, sob o tema “Será possível conhecer?”, a partir do seu ensaio filosófico que publicamos em 3 partes.
Parte I
Tese
Sim, é possível o Conhecimento ser gerado por um qualquer ‘Sujeito
Cognoscente’ enquanto ‘Ser Consciente’, nomeadamente pela ‘Pessoa Humana’; pelo que é possível Conhecer.
Considerações Gerais Iniciais
Uma Definição de ‘X’ é a Exteriorização do que ‘idealmente’ ‘é’ o determinado ‘Ser Ideal’ (conceito) ao qual está associada a palavra ‘X’ (termo), e, portanto, a exteriorização do conjunto das condições necessárias e suficientes tais que, se existir um determinado ‘Ser Real’ que cumpra essas condições, então, esse ‘Ser Real’ possa ser identificado como ‘X’ (1).
Assim, a mútua compreensão entre os indivíduos nas suas mais diferentes vertentes, nomeadamente na aplicação dialética de argumentação por expressão oral ou escrita, dependerá necessariamente da objetividade de associação, por parte de todos os sujeitos, dos termos aos respetivos ‘Seres Ideais’. Por exemplo, se uma dada Pessoa decidi-se chamar de ‘Vela’ ao ‘Ser Substancial’ de determinados ‘Objetos’ a que se costuma chamar de ‘Cadeira’ (e, portanto, ao respetivo ‘Ser Ideal’), então não seria possível, aplicando-se esta situação aos múltiplos outros termos, a efetiva comunicação, compreensão, e debate de ideias entre os sujeitos. Eis a fundamental importância da Linguagem enquanto método de adquirição, por negociação cultural, de uma objetividade nas Definições dos Termos. Neste sentido, para efeitos de clarificação da associação que tomo entre os principais termos envolvidos — quer para a formulação do Problema em causa (“Será possível Conhecer?”), como para a apresentação da minha respetiva Tese e Argumentação — e os respetivos ‘Seres Ideais’, procurarei começar por Definir, do modo que considero mais universalmente aceite, os ‘Seres Ideias’ a que se associam os Termos ‘Conhecer’ e ‘Possível’ no contexto ditado pela formulação do Problema apresentado. Tudo o resto deverá ser encarado, na sequência do supracitado, como secundário, em face desta clarificação. Sendo expresso sobre a forma de um verbo o conceito associado à palavra ‘Conhecer’ trata-se de um acontecimento: o acontecimento de efetivação de ‘Conhecimento’. Assim, a definição desse acontecimento dependerá necessariamente do que ‘idealmente’ ‘é’ o ‘Ser ideal’ associado à palavra ‘Conhecimento’.
Desde a evidentemente errada (2) Definição Tradicional de Conhecimento de Platão à atualidade muitos filósofos procuraram, a maioria das vezes baseando-se nos seus próprios Sistemas Gnosiológicos, definir este conceito, acabando sempre, porém, por fugir à simplicidade que a generalidade do Senso Comum impõe à definição do termo de modo a garantir uma objetiva associação do mesmo ao respetivo conceito entre os sujeitos. Neste sentido, desinteressadamente, penso que todos poderemos concordar em admitir o ‘Conhecimento’ como a aderência de um sujeito a uma formulação do seu intelecto que expressa algo que dada coisa (um dado ‘Objeto da Realidade’) ‘realmente’ ‘é’.
Entenda-se por intelecto de um sujeito o conjunto de todas as ‘Faculdades’ (Potências a si intrínsecas que lhe permitem concretizar determinadas atividades sobre a Realidade) acessíveis a esse sujeito tais que lhe permitem constituir formulações que garantidamente expressam o que as coisas ‘realmente’ ‘são’ – ou seja, formulações cujo conteúdo se adequa à Realidade – por meio de uma garantia (fornecida por uma ou mais dessas Faculdades, isoladamente ou conjuntamente) da Verdade dessas formulações. Essas Verdadeiras Formulações (3) obtidas mediante essa garantia (obtida por uma ou mais dessas ‘Faculdades’ desse conjunto que se denominou intelecto) seriam, neste sentido, o que permitiria ao sujeito em causa chegar a efetivas certezas das quais resultariam efetivas aderências do mesmo a essas formulações, originando-se, pela definição apresentada, ‘Conhecimento’. Assim, se o ‘Conhecimento’ for um ‘Ser Ideal’ ‘possível’ na ‘Realidade’, a possibilidade de concretização de ‘Conhecimento’ num dado sujeito, se efetivamente existir algum, dependerá de se esse sujeito efetivamente possui alguma ‘Faculdade’ ou algum conjunto de ‘Faculdades’ que lhe permita, por algum princípio a si subjacente, tal efetiva garantia (4, 5, 6).
Será neste âmbito que o presente Ensaio, ao se debruçar sobre a tentativa de resposta ao Problema no que concerne ao Sujeito Humano, procurará, primeiramente e principalmente, proceder a uma Investigação sobre o Intelecto Humano, a fim de encontrar pelo menos um tal ‘Princípio de Garantia’ em alguma ‘Faculdade’ do ‘Intelecto’ que possibilite, nele, pelo menos um ‘Conhecimento’; e, secundariamente, se bem sucedido o supracitado, a tentativa de sistematização da totalidade dos processos de ‘Conhecer’ a ‘Realidade’ por parte do Sujeito Humano, a fim da sistematização do Saber Humano.
Assim, podendo o conceito associado ao termo ‘Conhecer’ ser expresso como o “acontecimento de efetivação de ‘Conhecimento’ ”, e tratando-se o ‘Conhecimento’ de uma “aderência de um sujeito a uma formulação do seu intelecto”, então ‘Conhecer’ é um acontecimento de efetivação de uma aderência de um sujeito a algo proveniente do seu próprio intelecto, pelo que ‘Conhecer’ é uma ‘Ação’, na medida em que é um acontecimento prescrito voluntariamente por um sujeito: uma ação de aderência de um sujeito a uma formulação do seu intelecto que expressa algo que dada coisa ‘realmente’ ‘é’.
Eis, neste âmbito, algumas das Formulações pelas quais pode ser explicitada a definição de ‘Conhecer’ que será tida em conta ao longo do presente Ensaio (7):
1ª FORMULAÇÃO
“‘Conhecer’ ‘é’, ‘idealmente’, o ato de adesão de um sujeito a uma formulação do seu intelecto que expressa algo que dada coisa ‘realmente’ ‘é’.”
2ª FORMULAÇÃO
“‘Conhecer’ ‘é ́, ‘idealmente’, o ato de adesão de um sujeito a uma formulação que expressa algo que dada coisa ‘realmente’ ‘é’ obtida por via de uma ou mais de suas ‘Faculdades’ que, isoladamente ou conjuntamente, lhe fornecem, mediante um determinado ‘princípio de garantia’, uma ‘garantia’ de que essa formulação que por
ela(s) é, neste sentido, formulada, expressa algo que dada coisa ‘realmente’ ‘é ́, permitindo a adesão do referido sujeito à referida formulação.”
(1) A noção de ‘Ser Ideal’ considerada ao longo do presente Ensaio é a de representação mental de um ‘Ser’ enquanto noção mental geral das propriedades necessárias e conjuntamente suficientes explicitadoras desse dado ‘Ser’. Por outro lado, a noção de ‘Ser Real’ considerada ao longo do presente Ensaio é, em oposição ao carácter ideal do ‘Ser Ideal’, a de um efetivo ‘Ser’ que, existindo efetivamente num dado ‘Objeto da Realidade’, constitui nesse ‘Objeto’ determinadas propriedades que o caracterizam.
(2) “evidentemente errada” na medida em que define ‘Conhecimento’ como ‘crença verdadeira justificada’, o que impediria, por essa ‘justificação’, o conhecimento do referente de qualquer ‘crença básica ou fundacional’ ‘verdadeira’ e, portanto, o conhecimento do referente de toda e qualquer ‘crença verdadeira’, o que tornaria o conceito associado ao termo ‘Conhecimento’ ‘impossível’ na ‘Realidade’, o que é evidentemente contrário ao conceito associado ao termo ‘Conhecimento’ pela generalidade do Senso Comum [a expressão “evidentemente errada” procura, no contexto em que foi utilizada, evidenciar esta contrariedade].
(3) Por Verdadeira Formulação entende-se toda a formulação cujo conteúdo se adequa à ‘Realidade’ (sendo, portanto, uma Formulação necessariamente descritiva da ́Realidade’).
(4) Esta garantia de todo não necessitará exclusivamente nem necessariamente de se obter mediante uma Necessidade (metafisica, empírica, ou de que tipo for) – embora a Necessidade possa, talvez, ser um recurso do Intelecto para a obtenção de uma efetiva garantia da Verdade das Formulações assim obtidas – mas por um qualquer ‘Princípio’ de uma qualquer ‘Faculdade’ do ‘Intelecto’ de um Sujeito que permita tal garantia.
(5) No que se refere aos Conhecimentos obtidos inclusive mediante, por exemplo, uma Racional Necessidade (refiro-me a uma Necessidade Metafisica obtida, portanto, pela Razão enquanto Faculdade do Intelecto de um dado Sujeito) perante dadas premissas que constituem, elas mesmas, outros Conhecimentos, é de constatar que esse Conhecimento resultante só poderia constituir efetivo Conhecimento se estivesse garantida a
Verdade da formulação referente em causa, e que, para essa garantia, é necessário, por um lado, que a Racional Necessidade possa constituir efetivo ‘Princípio de Garantia’ conjuntamente com a Verdade das
formulações que constituem as premissas, e que, neste sentido, por outro lado, a Verdade das premissas esteja garantida. Ora, neste sentido, da totalidade das “Crenças Verdadeiras Justificadas”, apenas estão
admitidas à Definição de ‘Conhecimento’ apresentada as Crenças Verdadeiras Justificadas mediante a explícita garantia, por determinados ‘Princípios de Garantia’, de que a Justificação em causa se dá mediante um Argumento Sólido; pelo que a Definição de ‘Conhecimento’ apresentada supera a Objeção de Edmund Gettier face à Definição Tradicional de Conhecimento de Platão.
(6) Por outro lado, no que se refere à Objeção face à Definição Tradicional de Conhecimento de Platão que apresentei na nota 1, verifica-se que esta Definição de ‘Conhecimento’ supera, também, essa Objeção, na
medida em que a garan7a da Verdade da Formulação em causa pode ser efetuada mediante um ou vários quaisquer ‘Princípio(s) de Garantia’, e não exclusivamente por via da Racional Necessidade (que formaria a
“Justificação” que Platão afirmava como Condição Necessária ao Conhecimento). Assim, pela Definição apresentada, não estão a priori impossibilitados Conhecimentos referentes a ‘crenças básicas ou fundacionais’ nem está, assim, o ‘Conhecimento’ tornado ‘impossível’ a priori na ‘Realidade’, como se verificava, pelo exposto na nota 1, ao nível da Definição Tradicional de Conhecimento de Platão.
(7) A primeira delas trata-se de uma formulação mais concisa e, portanto, menos elucidativa. A segunda, embora equivalente à primeira, explicita, apelando à definição de Intelecto, em que medida as ‘Faculdades’
que o constituem permitem, por via da garantia que fornecem ao sujeito (por determinados ‘princípios de garantia’ a si subjacentes), a conceição dessas formulações pelo sujeito e, neste sentido, a sua adesão à
Verdade que expressam.
( Continua … )
