Dia de chuva

Concurso Literário Juvenil – Biblioteca Escolar
2.º Menção Honrosa – Ema Pereira de Sousa, 10.º K
Ao acordar, sinto de imediato a luz do sol a aquecer a minha pele. Não há muita luz no quarto, apenas a suficiente para conseguir ver todos os pequenos detalhes da divisão. Fragmentos de luz dourada espalhados pela porta do meu armário. Um cenário sereno. Ao olhar para cima da cabeceira, deixo os olhos entreabertos para tentar ler o relógio nitidamente. Sem sucesso, acabo por colocar os meus óculos voltando o meu olhar, novamente, para o pequeno relógio. 8:10. Quase de certeza que já tinha perdido a primeira aula, não que me importasse muito. Era bom tirar um dia só para mim.
Com esse pensamento ainda na cabeça, coloquei os pés no chão gelado. A minha pele arrepiou-se e bocejei. Esfregando o meu cabelo, dirigi-me para a casa de banho. Hoje ainda tenho literatura, matemática, e psicologia… Se achava que o chão estava frio, a água ainda estava pior. Num suspiro pesado, joguei a mesma na minha cara na tentativa de despertar um pouco mais. Acho que não matava ninguém faltar a umas aulas, as minhas notas até estão razoáveis.
Às vezes tornava-se aborrecido morar sozinho mas, ao menos, desta maneira tenho o meu próprio espaço sem nunca dever explicações e mil razões a ninguém. O senhor independente ainda depende do dinheiro dos pais. Quem se importa, faltar um dia nunca fez mal a ninguém. Vida de universitário é complicada, o que se pode dizer. Quem sabe, se calhar até conheço o amor da minha vida.- Ri alto para mim mesmo.
Voltando para o quarto escolhi cuidadosamente o vinil que seria, provavelmente, a banda sonora do resto do meu dia. Acabei então por escolher o Top hits dos The Police, que o meu avô me ofereceu em junho, no meu aniversário. Após fazer as minhas dancinhas do habitual, vesti umas calças de fato de treino pretas e, cuidadosamente, escolho uma, das dezenas de blusas que tinha espalhadas pelo chão do meu quarto, que não tivesse sido usada vezes de mais ou que não estivesse manchada com nódoas de gordura da pizza de pepperoni que como quase todas as noites. Olhando-me ao espelho, pensei: Bom o suficiente. Encontrei um sapato que me agradou por cima da minha secretária e a missão agora era encontrar o par que deveria estar escondido por debaixo de todas as blusas sujas já referidas anteriormente. FINALMENTE! Após a vitória sob a confusão que é o meu quarto, saí do apartamento ainda a calçar o sapato e com as minhas ideias fixas em não marcar presença na aula.
As ruas estavam praticamente vazias. A esta hora, já toda a gente teria chegado ao trabalho e as pessoas mais velhas estariam, hipoteticamente, sentadinhas nos cafés a beber o seu chazinho ou o café da manhã, acompanhado por uma torrada de pão de forma (tostado consideravelmente tendo em conta os dentes ou a falta de dentes que têm). Tudo isto, enquanto lêem o “Correio da Manhã”. Havia umas pessoas na praça, a fazer as compras do costume, apenas para preencher as horas vazias que tinham após a reforma, e outras a correr. Quem é que se diverte a correr? Credo!?
O sol ainda brilhava, o vento soprava suavemente, mas forte o suficiente para fazer as folhas dançarem no topo das árvores. Uma nuvem notava-se a aparecer mais perto a cada segundo que passava. Espero que não chova.
Entrei, então, num pequeno café. Como previsto, havia apenas pessoas mais velhas a ler o jornal, à exceção de um homem, estranhamente bem vestido, a fumar um cigarro enquanto, furiosamente, esperava ser tirado de espera da operadora de telemóveis (conseguia-se ouvir a irritante música de elevador). O espaço era fechado, mas bastante luminoso. Paredes brancas, balcão branco de mármore. O cenário parecia algo tirado daqueles programas de remodelações americanos. Já se conseguia sentir que ia ser caro. 4,50€ por um café?! Como assim!? Tenho de sair deste sítio! Dá para cheirar o luxo e a estabilidade social das pessoas que frequentam este lugar, devia ter previsto pelo gravatinha que estava á porta. – Rio para mim mesmo – Ao pisar fora daquele asilo. Ainda por cima sabe a queimado. Ao sentir umas pequenas gotas de chuva a cair sobre a minha pele,respiro fundo, mas continuo a andar em direção ao parque
As folhas continuavam a dançar com as sopradas do vento e havia menos um raio de sol. As pessoas começavam a arregaçar os pequenos guarda-chuvas das suas malas, mas eu continuei na minha. Não há-de chover assim tanto.
Oh! Como eu estava errado.
Numa questão de minutos os casuais chuviscos tornaram-se numa chuva densa e insuportável. Neste momento tinha duas escolhas. Três na verdade – ponderei –
1. Ficar no sítio até parar de chover;
2. Voltar para trás;
3. Correr até a próxima saída do parque.
A primeira, decerto, não era exactamente uma escolha sensata. Restava agora analisar a distância que teria de correr caso voltasse para trás. Yeah…demasiado longe. Desatei então a correr, e entro na primeira lojinha que encontrei, em busca de abrigo
A sala é escura, as tábuas de madeira que cobrem o chão rangem a cada passo que dou. À direita está um balcão, também de madeira, com um pequeno computador no topo. Logo em frente, estão três mesas com quatro cadeiras e dos pequenos candeeiros de luz amarela, no topo de cada uma. Onde é que eu me vim meter. No fundo, estavam estantes que em que se perdia o olhar, criando labirintos de corredores entre si.
“Bom dia.” ele pousou o livros no balcão “Em que te posso ajud…Oh meu Deus!” “,ele apercebeu-se da água que pingava do meu casaco.
Ele era alto, fios de cabelo caiam sobre o seu rosto, enquanto outros se encaracolavam na sua orelha direita, as suas bochechas apresentavam-se ligeiramente coradas e olhos mel completamente abertos, ao observar a água que escorria pelas tábuas de madeira do chão. Os seus lábios encarnados estavam levemente abertos enquanto ele tentava agarrar as letras soltas na sua mente para formar uma frase eloquente. Acho que me apaixonei.
“Está a chover um pouco” eu corei.
Sem dizer uma palavra, ele debruçou-se sobre o balcão e retirou um tecido de trás do mesmo. Andando na minha direção, estendeu timidamente a sua mão e sorriu. Agarrei o que ele me entregava e as suas mãos quentes tocaram as minhas, que estavam geladas, e algo em mim aqueceu.
“Podes usar a minha blusa.”